Um homem adquiriu uma casa antiga. Mais de um século de
construção, mas bem conservada.
Contudo,
logo que entrou na edificação, se deu conta de que muitos consertos eram
necessários. Um detalhe aqui, outro ali.
E,
com certeza, ela precisava de uma pintura nova. Por isso, ele decidiu retirar a
tinta antiga e começou a raspar as paredes, a cor velha, um azul sujo e
desbotado.
Para
sua surpresa, na medida em que ia retirando a cor azul, foi aparecendo por
baixo uma outra cor, rosa, mais velha do que a anterior.
Raspou
tudo. Aí apareceu uma terceira camada de tinta, cor creme. Depois o branco.
Ele
foi descobrindo que cada morador que por ali passara, pintara a casa da cor que
lhe agradava, sempre cobrindo a anterior. Constatando isso, ele decidiu
descobrir qual seria a cor original daquela velha casa. Obstinado,
pacientemente, foi retirando camada por camada. Finalmente, quando acabou o seu
trabalho, teve uma grande surpresa.
Mais bonita do que qualquer tinta, havia uma madeira
linda, o maravilhoso pinho de riga, com nervuras formando arabescos cor
castanha contra um fundo marfim. Ficou
encantado e profundamente feliz – pinho de riga puro, sem nenhuma mão de tinta.
Um tesouro para ser admirado.
Nós
somos como a casa velha, com camadas e camadas de tintas de cores diversas.
Para
cada ocasião, apresentamos uma das cores: o azul para os momentos de alegria, o
rosa para aqueles serenos, harmoniosos, o vermelho para as horas turbulentas...
As pessoas,
que privam do nosso quotidiano, nos conhecem de uma ou de outra forma,
dependendo das horas que estejam connosco. Importante que nos autoconheçamos, que saibamos em
profundidade dos nossos sentimentos, das nossas aspirações, dos nossos
pensamentos.Autoconhecimento. E, com um detalhe muito importante: saber que não somos um corpo que anda, fala, trabalha, executa tarefas, se locomove de um para outro lado.
Somos um Espírito imortal. Sim, o pinho de riga puro. A essência imortal. E esse Espírito imortal é quem sente, pensa, idealiza e conduz o corpo com todas suas camadas grossas ou finas de diferentes pinturas.
Definirmo-nos como ser humano integral é o que nos compete. Permitir que apareça, com toda sua beleza, esse pinho de riga puro, com seus arabescos maravilhosos.
Descobrir que precisamos retirar a camada rude da nossa indiferença para
deixar que o fundo marfim do amor se apresente. Extravasar em acção nossa
vontade de aprender, nosso intuito de melhorar, de apresentar o que tenhamos de
melhor para esse mundo maravilhoso em que se movimenta o corpo que comandamos.
Com base no cap. 5, pt. 1, do livro Um céu numa flor silvestre, de Rubem Alves,
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