Quando lemos alguns relatos, sobretudo de sobreviventes de campos de concentração, nos admiramos da força de viver que os fez tudo superar.
Ser privado de sua identidade, passando a ser simplesmente um número. Ser privado de sua cidadania, confinado em barracões sem higiene, sem condições mínimas de conforto. Ser privado da dignidade de criatura humana. Ter servida uma ração miserável, numa lata. Sentir o medo percorrer a espinha a cada vez que castigos eram determinados por coisas banais, por nada, por meros caprichos de quem estava ali para gozar a desgraça dos prisioneiros. Não saber qual dos amores sobrevivente poderia ser destacado para a morte, no dia seguinte, sofrendo a dor antecipada de mais uma perda. Não ter coisa alguma: sem nome, sem roupas adequadas, sem medicação, nada.
No entanto, sobreviveram a tudo isso. E o que mais impressiona é como reconstruíram as suas vidas. Constituíram família, emigraram para outras localidades, buscaram opções de bem viver.
Uma bailarina húngara, de apenas dezesseis anos, na sua primeira noite em Auschwitz, foi forçada a dançar para um alto oficial da SS. No cimento frio do barracão, a adolescente ficou paralisada de medo. Sua mãe fora enviada para a morte, na primeira seleção dos prisioneiros, naquele dia. A orquestra do campo, no lado de fora, começou a tocar a valsa Danúbio Azul.
Ela fechou os olhos e lembrou de um conselho materno: Ninguém pode tirar de você o que você colocar em sua mente. Então, ela se transportou ao palco da ópera de Budapeste, interpretando Julieta, do balé de Tchaikovsky. E dançou.
Ao narrar essa experiência, aos noventa e dois anos de idade, Edith, psicóloga clínica, diz que a pior prisão é aquela que construímos para nós mesmos. Essa a grande lição que esses sobreviventes nos transmitem: a da superação, o do começar de novo, o de viver, o nunca deixar de amar. É de nos perguntarmos por que nós, por vezes, por problemas bem menores do que aqueles que passaram meses ou anos em campos de concentração, nos sentimos tão desesperançados.
Olhamos para o quadro pandêmico que nos levou amores, e nos parece que não poderemos continuar a viver sem eles. Pensemos: eles se foram levados por um vírus cruel. Tudo que lhes era possível receber, lhes oferecemos. Podemos dizer adeus mesmo que à distância. Se é o desemprego que ensombra os nossos dias, guardemos a esperança. A pouco e pouco, tudo se vai restabelecendo e a bênção do trabalho nos chegará, outra vez. Talvez descubramos que somos capazes de outras atividades, diversas daquela que nos garantia o pão de cada dia, anteriormente.
Quiçá possamos nos realizar ainda mais, descobrindo talentos adormecidos em nós. Se problemas, traumas e dores se acumulam, ainda assim, não nos entreguemos ao desespero. Prossigamos. Pensemos que se outros puderam superar, nós também podemos. A vida é digna de ser vivida, em toda a sua pujança. Não estamos sós. Vejamos quem está ao nosso lado. Demo-nos as mãos. Somos todos filhos de Deus. Nenhum de nós jaz abandonado. O dia surge. O sol brilha, levantemo-nos para vencer.
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